quinta-feira, dezembro 20, 2012

White wine in the sun


Naquele ano (que já pode ficar no passado, porque já é Natal e então já vai acabar) muitas coisas morreram: uma avó. Um grande amor. Um filho que nem veio. Outra avó! Um gato encontrado na estrada. Uma árvore da felicidade.

E então, a cada pouco se podia ver pelas ruas da cidade uma menina dirigindo e chorando litros ao som dessa música. Uma música que fala sobre celebrar a vida bebendo vinho branco ao sol, a despeito de toda distância, ausência e incompreensão. Uma música sobre as pessoas que - vivas ou mortas - te fazem sentir segurança nesse mundo selvagem. E olhando com cuidado, se via que o choro não era só de tristeza, mas também (e principalmente) de grande alívio.

E do outro lado, algumas coisas nasceram: um vôo fantástico pelo oceano. O sobrinho mais fofo do universo. Uma nova amizade. Lentes novas para olhar o mundo.

A música ainda faz chorar, mas sem dor. Porque como bem disse Alice e o velho Itamar, "a cada mil lágrimas sai um milagre". Verdade!




(a música fica ainda mais bela quando você conhece a obra de Tim Minchin e entende que esta é uma exceção, um momento de trégua num coração cheio de sarcasmo. recomendo!!)

segunda-feira, março 05, 2012

mais de Neil Gaiman

mais um trecho d´Os filhos de Anansi, que estou devorando a toda velocidade:

"Cada pessoa que existiu, existe ou existirá possui uma música. Não é uma música escrita por outra pessoa. Ela tem sua própria melodia, sua própria letra. Poucas pessoas chegam a cantar sua própria música. A maioria de nós teme que não façamos jus a ela com nossa voz, ou que a letra seja muito boba, ou muito franca, ou muito estranha. Então, em vez disso, as pessoas vivem suas músicas.

Vejamos Daisy, por exemplo. Sua música, que esteve no fundo de sua mente durante grande parte de sua vida, tinha um ritmo que exprimia confiança, um ritmo de marcha, e a letra falava sobre proteger os mais fracos. O refrão começava com "Malfeitores, cuidado!" e, portanto, era muito boba para ser cantada em voz alta. Ela às vezes acompanhava a melodia, fazendo "hum-hum" no chuveiro enquanto se ensaboava.(...)"

(Neil Gaiman em Os filhos de Anansi. Tradução de Juliana Lemos, Editora Conrad, 2006 - pg.192)

domingo, fevereiro 26, 2012

começou bem!


Comprei ontem o livro "Os Filhos de Anansi", de Neil Gaiman. Sem folear, nem ler a orelha, confiei totalmente na minha prévia admiração pelo autor, e também no fato de o livro estar envolvido com uma daquelas faixas promocionais que dizem "Primeiro lugar dos mais vendidos na lista do New York Times" ou algo do tipo.

Bom, pra mim o livro não podia ter começado melhor! Depois de uma dedicatória linda, o primeiro capítulo ("o qual basicamente discorre a respeito de nomes e laços familiares") começa com essa sonora digressão:

"Esta história começa, assim como a maioria das coisas, com uma música.
Afinal de contas, no começo havia as palavras, e elas vinham acompanhadas de uma melodia. Foi assim que o mundo foi feito, que o vazio foi dividido e que a terra, as estrelas, os sonhos, os pequenos deuses e os animais vieram ao mundo.
Eles foram cantados.
Os grandes animais foram cantados para a existência depois que o Cantor já havia criado os planetas, as colinas, as árvores, os oceanos e os pequenos animais. Os penhascos que cercam a existência foram cantados, assim como os campos de caça e a escuridão.
As canções permanecem. Elas perduram. A canção certa pode fazer um imperador tornar-se motivo de chacota, pode arruinar toda uma dinastia. Uma canção pode permanecer depois de os acontecimentos e as pessoas nela descritos terem se transformado em pó, em sonhos e morrido. Esse é o seu poder."

Diante de tamanha reverência ao universo musical, resolvi fuçar na internet pra ver se encontrava alguma relação fatídica de Neil com a música, claro, além de ele ser casado com a cantora, compositora, ídola e musa absoluta Amanda Palmer.

Mas é claro que sim, a música e os sons sempre permeiam a obra dele, artista fantástico de sentidos aguçados que ele é. De cara já lembrei de algumas histórias do Sandman em que o mito grego Orpheus aparece como personagem, em várias histórias. Em breve vou fazer um post sobre Orpheus!

Mas antes.... preciso continuar a saber da canção d' Os Filhos de Anansi.

Até depois!

sábado, fevereiro 25, 2012

limpando os ouvidos

Coitadinho do SobreSom, abandonado por tanto tempo!

Com os tsunamis de informação das redes sociais, fui ficando com o ouvido cansado, a escrita travada e os olhos perdidos em meio a tanta coisa diferente vestida com a mesma roupa azul e branca do Facebook, ou tudo apertado nos 140 caracteres do Twitter. Acho tão incríveis as redes sociais, que corro perigo de me perder nelas e esquecer de todo o resto da rede... sabe, a Internet, aquela rede fora do Facebook?

Layout novo, uma boa limpada nos links, em busca de novos sítios, novos livros, novos sons que acordem os ouvidos!

E pra celebrar esse novo lugar onde quero chegar, deixo aqui essa música que é meio minha (letra), meio de Daniel Chaudon (música), e toda de todo mundo. Música que nasceu feliz, de parto normal, em poucas horas, assim como tudo que é germinado e gestado com carinho e dedicação durante meses ou vidas. 90% transpiração, 10% inspiração. "Agora", a minha primeira de muitas ou algumas, assim seja.

domingo, dezembro 25, 2011

diário espiritual de Paramahansa Yogananda

12/12 - Silêncio

Meu silêncio, como uma esfera em expansão, propaga-se por toda parte.

Meu silêncio propaga-se como uma canção de rádio, acima e abaixo, à esquerda e à direita, dentro e fora.

Meu silêncio se espalha como um incêndio de bem-aventurança; os sombrios arbustos da tristeza e os altos carvalhos do orgulho estão todos se consumindo nas chamas.

Meu silêncio, como o éter, tudo permeia, levando as canções da terra, dos átomos e das estrelas aos salões da Sua infinita mansão.

[Paramahansa Yogananda, "Meditações Metafísicas"]

UBU WEB :: Sound

Pra constar:

http://www.ubu.com/sound/


sexta-feira, março 05, 2010

ouvir, imaginar

"Ouvir sempre foi importante, mas atualmente tornou-se muito mais. Mais do que nunca, a televisão mostra como o nosso sentido de audição é superior ao da visão. Os psicólogos que se dedicam à psicologia da criança reconhecem que um conto de fadas visto pela TV, na melhor das hipóteses, nada mais é do que diversão. O que acontece está acontecendo na tela, e antes disso já ocorreu no estúdio. A criança não está vendo nada mais do que informação sobre um evento que já aconteceu em algum outro lugar. A imagem 'externa' dispensa a imagem 'interna'. É verdade que a imagem 'externa' é mais colorida, tem mais ação, fascina mais e é mais eloquente. Mas, é bem por isso que ela reprime e sufoca a imagem interna. Por outro lado, se você contar um conto de fadas a uma criança, ela terá de usai as imagens 'interiores' para entender a história. Essas imagens 'interiores' são as que produzem experiências e que enriquecem; as imagens 'exteriores' apenas são carregadas de informação e sensação."

(Joachim-Ernst Berendt - Nada Brahma: a música e o universo da consciência)

quinta-feira, março 04, 2010

"A música é... um modo aberto que, através da sua natureza essencialmente estrutural, se ajeita singularmente para revelar a estruturação dinâmica da vida social, uma estruturação da qual o 'material' forma apenas um aspecto. A música é conclusiva... porque o significado social só pode surgir e continuar a existir através da comunicação simbólica que se origina na consciência - comunicação de que a música faz parte"

(John Shepherd)

quinta-feira, janeiro 14, 2010

COMO TOCAR TCHAIKOVSKY NO ESTILO PUNK CABARET, por Amanda Fucking Palmer

(Estou apaixonada por essa mulher. E foi justamente a "moral da história" desse post que me levou a fazer esta livre tradução. Vou fingindo ser tradutora, já que não tem ninguém contando os pontos. :) Você pode ler o texto original aqui.)


* * * *

sinceramente, não posso dizer ao certo por que decidi fazer isso.
acho que meu pensamento inicial foi: “ah, merda. vou tocar na boston pops de novo... eu realmente deveria fazer alguma coisa clássica e me forçar a sentar e praticar.” =
eu nunca, nunca pratico piano. eu odeio. odeio. odeio. odeio praticar piano. ODEIO. RALMENTE ODEIO.

na real: é por isso que eu me estresso com esse trabalho, cara.

quando eu era adolescente, minha mãe me pagou para fazer aulas de clássico. sério. ela ofereceu um aumento de alguns dólares na minha mesada por algumas semanas se eu fizesse isso.
obrigada, mãe, por se importar. eu provavelmente teria tentado a mesma coisa.

mas eu era uma bobinha teimosa, muito teimosa.

eu me sentava na aula, olhando vagamente paras aqueles rabiscos de notas no papel na minha frente, e simplesmente TRAPACEAVA durante as lições, ASSISTIA a professora tocando a peça. eu capturava tudo na minha mente e depois tocava de ouvido. me recusava a olhar para a partitura, e quando eu supostamente devia levar a partitura para estudar em casa, eu simplesmente NÃO QUERIA. eu não praticava.
EU ODIAVA. isso ficou claro?

lembro que uma vez uma professora disse pra minha mãe me comprar um metrônomo pra deixar junto ao piano.
me disseram que eu devia praticar com o metrônomo.

eu não era uma criança extremamente violenta. acho que eu era violenta-normal. sabe, essa coisa típica de puxar o cabelo da irmã e tal.
eu não atirava coisas pra machucar (muito) as pessoas e nem tinha acessos explosivos de raiva. (bom, isso a partir dos 4 anos de idade)
eu era relativamente agradável.

mas juro por deus, aquele maldito metrônomo me fez querer travar guerra com o planeta inteiro, e com energia nuclear.
aquele tic-tac no meu ouvido era o equivalente a alguém colocar a sua cabeça, num dia de ressaca, em cima de uma placa de metal, e bater nela repetidamente com uma bigorna.
eu simplesmente ODIAVA PRA CARALHO.
e então um dia, eu estava sentada na sala, no piano, e deveria estar praticando qualquer coisa, e o metrônomo estava tic-taqueando o seu cruel tic-tac amaldiçoado, peguei ele e arremessei através da sala. ele se estraçalhou na lareira vazia, e nunca mais fez tic-tac.
eu me senti muito, muito culpada, mas também sem vergonha, como se eu tivesse sido tomada por uma força alienígena.
na minha cabeça, aquilo era um Instrumento do Mal e eu tinha realizado um ato de Deus.
nem me lembro se minha mãe ficou brava. acho que talvez ela tenha desistido depois disso.

quando fui para a faculdade (e nesse momento eu já estava bem determinada a ser uma musicista quando crescesse), desenvolvi uma culpa católica ao redor do fato de ser tão preguiçosa , e então decidi fazer algumas aulas de clássico enquanto estivesse lá. eu tentei. de verdade. tentei praticar, me forcei a ficar num porão praticando algumas vezes por semana, e transformei a “pathetique” de Beethoven em um longo chicote clássico, com o qual destruí minha preguiça. mas assim mesmo, eu odiava. gostei de ter uma “usina geradora” de música clássica na manga, e gostei de tocar essas músicas; mas também tive uma profunda sensação de inquietação: “por que diabos eu estou fazendo isso? pra provar o quê?”
eu poderia contar aquelas linhas ad infinitum e tentar fazer os rabiscos fazerem sentido. até hoje, você pode me ver murmurando “every good boy deserves.....” enquanto tento deduzir qual nota é qual quando olho para uma clave de sol.
eu sou retardada. não me pergunte por que eu não consigo lembrar que B (si) é o meio dessa pauta musical. simplesmente não consigo. posso ouvir qualquer canção no maldito rádio e tocar ela de ouvido, mas não consigo lembrar que aquela notinha no meio daquela partiturazinha é um B. oliver sacks provavelmente poderia te explicar.

enfim, na faculdade eu escapava por inúmeras tangentes de improviso nos momentos em que supostamente deveria estar praticando, mas eu estava achando difícil escrever qualquer canção durante esses anos.
depois que me formei, nunca mais passou pela minha cabeça aprender ou tocar uma peça clássica, até esse ano.

alguma coisa se mexeu dentro de mim, e decidi me re-disciplinar. no show de london do verão passado, apanhei muito pra tocar uma pequena peça de Bach. vou desenterrar e tuitar isso.

e para a pops, só escrevi um e-mail dizendo “quero tocar um concerto”. keith respondeu com diversas sugestões, de mozart a rachmaninoff a tchaikovsky, e ouvi tudo e tentei determinar o que seria mais fácil e mais explosivo com menos esforço.

eu peguei a música e comecei a praticar no começo de dezembro. neil e eu estávamos entocados por uma semana, e eu decidi praticar algumas horas por dia.
eu me encontrei com meu amigo pianista, murray barg, em Boston, e ele me ajudou a destrinchar a partitura, para ter certeza de que eu não estava lendo nenhuma nota errada.
e para entender o tempo, eu assisti no youtube alguns clips do van cliburn detonando.

logo eu percebi que, para tocar essa peça (primeiro concerto para piano de tchaikovsky), eu deveria ter começado a estudar em 2008.
não tinha jeito.
impossível.

eu pensei, por um segundo, em ligar para a pops e dizer pra eles tirarem a peça do programa. (e eles realmente não teriam se importado, a orquestra não ensaia essa merda até O DIA DO SHOW. DE VERDADE.)

mas eu não tive estômago pra isso. eu me senti completamente frustrada.

eu voltei a olhar para a peça realisticamente, e decidi que eu poderia provavelmente aprender os primeiros minutos, mas ainda assim não seria no tempo, ia ser muito tosco, e eu teria que empurrar e puxar os tempos.
mas mesmo assim, eu decidi fazer.

liguei para o meu amigo lance horne e pedi a ele para aprender o resto da peça (agradeço ctchulhu pelo lance).

beth tramou a cena do celular inoportuno, e criou o casaco “removível” de velcro (agradeço ctchulhu pela Beth).

e então eu simplesmente passei algumas horas por dia no meu apartamento em boston, pelo resto de dezembro, praticando essa merda.
acho que eu nunca, nunca na minha vida pratiquei tanto alguma coisa.
e no final das contas, a questão não era mais a performance. a performance se tornou secundária.
a questão agora era testar a minha força de vontade.

...rufem os tambores...

o resultado, senhoras e senhores ( e graças a deus alguém filmou e postou, quem quer que você seja... agradeço ctchulhu por você também).



o resultado é o que eu chamo de puro e completo “punk fucking cabaret”.

finjam que fazem até fazer, pessoal.
não tem ninguém contando os pontos.

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AFP

terça-feira, dezembro 01, 2009

a primeira coisa que existiu


Música linda do Arnaldo Antunes que inspirou um lindo trabalho com dos alunos do grupo ANIMA ANGRA. Adorei!

O Silêncio - Arnaldo Antunes

antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio

o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor

luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor