domingo, outubro 04, 2009

O jogo das contas de vidro (ou "O jogo de avelórios, ou, no original, Das Glasperlenspiel) é um livro que eu "estou pra ler" há muitos anos. Acho que preciso arranjar uma edição com as letras maiores.

Por enquanto fica aqui um trechinho que anotei numa dessas tentativas:

"O Mestre tocou uma pequena série de notas, um trechinho da melodia da canção aludida, e os sons vibraram maravilhosamente, assim desligados do seu conjunto, sem cabeça nem cauda. Ele tocou o tema mais uma vez e continuaram logo, vindo em seguida a primeira entrada, depois a segunda transformou a seqüência de quintas em uma seqüência de quartas, a terceira repetiu a primeira uma oitava acima, e do mesmo modo a quarta repetiu a segunda, terminando a exposição com uma cadência na tonalidade da dominante. O segundo período modulou de modo livre para outras tonalidades, e o terceiro, aproximando-se da subdominante, terminou com uma cadência no tom fundamental. O menino olhava para os sábios e pálidos dedos do executante, percebendo na expressão contida de seu rosto o leve reflexo do desenvolvimento musical, enquanto seus olhos repousavam sob as pálpebras semicerradas. O coração do menino palpitava de respeito, de amor pelo Mestre, e ao ouvir a Fuga, parecia-lhe escutar a música pela primeira vez, pressentindo por detrás da composição que surgia, o espírito, a benfazeja harmonia de lei e liberdade, de servidão e domínio; ao mesmo tempo ele se entregava e se voltava a esse espírito e a esse mestre, vendo refletidos nesses minutos sua própria pessoa e sua vida, o mundo todo - nesses minutos conduzidos pelo espírito da música, que os organizava e lhes conferia significado. Quando a execução terminou, ele viu aquele homem venerado, aquele mágico e rei conservar-se ainda por um breve instante inclinado levemente sobre as teclas, com as pálpebras semicerradas, uma leve luz interior iluminar-lhe a fisionomia, e ficou na dúvida se devia exultar de alegria pela ventura desses instantes, ou chorar porque eles haviam passado. Então o ancião ergueu-se lentamente do banquinho do piano, fitou-o com seus olhos azuis e joviais, com olhar penetrante mas afável, e disse:
- A maneira mais fácil de duas pessoas ficarem amigas é quando tocam juntas. É uma maravilha! Tenho esperanças de que havemos de conservar nossa amizade, eu e tu. Talvez tu aprendas também a compor Fugas, José.
Dizendo isso, estendeu-lhe a mão e partiu." (.......)

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